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Anelídeos

Escavava e escavava. E ainda escavava mais (tudo o que podia). Consumia-se na construção de túneis e galerias mirabolantes. Quanto mais subterrâneos, e compridos, melhor. E depois içava-se arrastadamente até à superfície, assim como quem não quer a coisa. E enrolava-se, e desenrolava-se, e imobilizava-se, e estrebuchava. Às vezes também se divertia a desenhar coreografias circulares. Ou estranhos ésses. Contudo, o que lhe dava mesmo prazer, prazer-prazer, era escavar. Escavar, escavar, escavar. E tudo recomeçava. Passava os dias nestas minhoquices.

Velho aforismo frísio

Contou-mo o meu bom amigo Simon e, mesmo com a fulana a relinchar furiosamente atrás do bar, julgo ter percebido bem: "É ao pé da pedra que o artista talha a obra; e a melhor obra só se talha com a pedra."

Zédu

Nunca pusemos em causa que o Zédu fosse um bom volante, só que sentia ponta àquela hora. O pior é que no domingo viu no trânsito um sinal. Nunca mais o conseguimos travar (nem valia a pena). Ontem viram-no na Brandoa. E o papá ainda não perdeu a esperança que o José Eduardo apareça pelo Natal.

A namorada

Se os amigos são para as ocasiões, foi precisamente naquela que Rafael se fez ladrão.

Os três gémeos de Odense

Eram os três gémeos, embora só outra coisa venham a ter em comum. Berthold caminhava a olhar para o chão, pois assim mais fácil se tornava tropeçar numa nota ou moeda perdida, quiçá num objecto ainda mais valioso. Bjørn projectava o olhar numa paralela ao chão, em frente é que era, só assim podia antecipar as novidades que se escondiam atrás da linha do horizonte. Bernt passeava-se boquiaberto a fitar as estrelas, cria numa que lhe iria indicar o caminho. Claro que nenhum teve mais sorte do que o outro. Somente a felicidade de morrerem na mesma tarde, e já quase na passagem de nível.

Desencontros

Se ninguém é profeta na sua terra, muito poucos são os génios no seu tempo. Especialmente aqueles que engarrafados vivem.

Etcétera

E assim, sem mais nem menos, terminámos uma relação de catorze anos. Como um fósforo que arde. "Porque cheiras muito mal da boca e etcétera", justificou-me Mariliis. Desconhecia ter assim tantos problemas, mas até compreendo os motivos dela.