Michelania
Eram três génios culinários. Um dizia-se chef. O outro sommelier. O terceiro, esse, era mais bolos. Ou patisseur, como lhe chamam na Bélgica gaulesa. Um dia zangaram-se. Todos os três queriam ter um restaurante à sua medida. À la Michelin. Cada um foi para seu lado, embora com magros resultados, como em seguida explicaremos: no elegante restaurante do chef, agora orgulhosamente só, e apesar dos lustros franceses e dos sofás de carmim oriental, uma dúzia de engasgos mortais foi manchete na imprensa doméstica, tablóides mas não só; o sommelier, à falta de comida nos pratos, conduto portanto, passou a ter de lidar com os alcoólatras da cidade e respectiva narrativa, já que desprovidos de lastro no bucho; quanto ao nosso dulcíssimo patisseur, pobre homem que sem pruridos engordou meio-continente, acabou nos tribunais burgueses, ou luxemburgueses, por indução dolosa à diabetes. A verdade é que, cinco anos mais tarde, e com os problemas a acumularem-se, e outras arrelias que todos os dias aterravam na caixa do correio, algumas delas de foro noticioso, tentaram fumar o cachimbo da paz. Pior a emenda do que o soneto: há quem garanta que foi maconha, os maldosos vão mais além, muito mais além, mas factos são factos. Um diz agora que é chef índio, alimentado por um misterioso preparado mágico do seu segundo. Parece que já não é só uva. Quanto ao terceiro, o tal, ri-se na cara dos outros dois e, com as narinas bem espertas, vangloria-se de obrar os melhores pastéis do mundo.
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